As doenças autoinflamatórias são condições causadas por problemas no sistema imunológico inato. Nosso sistema imunológico é formado por uma rede de células e tecidos espalhados pelo organismo, responsáveis por defender o corpo de infecções e outras ameaças.
Esse sistema pode ser dividido em duas partes: sistema imunológico adquirido e sistema imunológico inato. O sistema adquirido se desenvolve à medida que crescemos, criando anticorpos contra os invasores que entram em contato com nosso organismo e desenvolvendo uma memória para combatê-los caso voltem.
Já o sistema imunológico inato utiliza glóbulos brancos para eliminar as ameaças. É nele que ocorrem problemas quando desenvolvemos doenças autoinflamatórias. A seguir, saiba mais sobre essas enfermidades e como tratá-las!
O que são doenças autoinflamatórias?
Inicialmente classificadas como doenças autoimunes, as doenças inflamatórias sistêmicas foram redefinidas na última década com o avanço no conhecimento relacionado ao sistema imunológico.
Atualmente, essas doenças são classificadas pelo compartimento imunológico envolvido, e divididas em dois grandes grupos: doenças autoinflamatórias e autoimunes. A diferenciação desses grupos é fundamental para o diagnóstico, tratamento e prognóstico clínico correto.
As doenças autoinflamatórias ocorrem quando os glóbulos brancos (células de defesa) atacam tecidos saudáveis do corpo, sinalizando para que o organismo elimine esses tecidos.
Essa falha no sistema imunológico pode causar processos inflamatórios intensos, levando a sintomas como febre, inchaço e dor em articulações e erupção cutânea. Em casos mais graves, podem causar o acúmulo de uma proteína do sangue e órgãos vitais, se tornando fatal, episódio chamado de amiloidose.
Quais as principais doenças autoinflamatórias?
O grupo de doenças autoinflamatórias é caracterizado por síndromes com episódios espontâneos de febre e de manifestações inflamatórias em diversos órgãos. Algumas dessas doenças, como a febre familiar do Mediterrâneo (FFM), são conhecidas há quase um século, já outras foram definidas apenas a alguns anos. A seguir, conheça as principais doenças autoinflamatórias.
Febre familiar do Mediterrâneo
Essa doença autoinflamatória foi descrita pela primeira vez em 1945 sob o nome “peritonite paroxística benigna”. A febre familiar do Mediterrâneo de uma patologia rara de origem genética de herança autossômica recessiva caracterizada por mutações no cromossomo 16 – gene denominado MEFV (mediterranean fever). Isso quer dizer que para o paciente ter a doença ele necessariamente herdou a mutação genética tanto de seu pai quanto de sua mãe.
Comumente, os pais de um pessoa com Febre Familiar do Mediterrâneo carregam o gene mutado, porém, não manifestam os sintomas da doença, sendo, por esse motivo, chamados de portadores.
Outro ponto importante para ser esclarecido é que essa é uma condição autoinflamatória e não autoimune como algumas pessoas imaginam.
Ela costuma atingir especialmente indivíduos com origem no Mediterrâneo e Oriente Médio, embora haja casos de incidência também em pessoas de outras localidades. Pacientes de ambos os sexos podem ter FFM, entretanto, há estudos que apontam uma ligeira predominância de casos nos homens. Essa condição afeta principalmente turcos, armênios, judeus e árabes.
Como vimos, essa é classificada como uma doença rara, visto que sua prevalência é de 1 a 5 a cada 10.000 pessoas. No Brasil, ainda não há dados mais precisos sobre a real incidência desta patologia.
No entanto, há lugares nos quais essa é uma doença bastante comum. Em alguns países árabes, por exemplo, dada a alta prevalência, a FFM é considerada uma preocupação de saúde pública.
Os sintomas e a gravidade dessa doença autoinflamatória podem variar muito de uma pessoa para outra – mesmo entre membros da mesma família. As manifestações da febre familiar do Mediterrâneo surgem comumente na juventude, sendo que, em 90% dos casos, manifestam-se antes dos 18 anos do paciente.
A ocorrência dos ataques tende a ser esporádica, sendo que atividades físicas intensas, dieta rica em gorduras, frio, infecções e estresse são tidos muitas vezes como gatilhos para esses episódios.
Entre as manifestações características, estão:
- Febre súbita, variando de 37,8 °C a 40 °C;
- Surtos recorrentes de febre, que duram entre um e três dias;
- Febre acompanhada de dores abdominais no lado direito e/ou torácicas e/ou dores e edemaciação das articulações (entre leves a intensas);
- Inchaço e inflamação nas articulações (como joelho, tornozelo, pulso);
- Mialgia;
- Dor de cabeça;
- Vermelhidão e manchas na pele, sobretudo na área do tornozelo;
- Hábito intestinal alterado;
- Pericardite (raramente).
Síndromes Periódicas Associadas à Criopirina
As síndromes periódicas associadas à criopirina são doenças autoinflamatórias que estão associadas a mutações no gene NLRP3. No Brasil, a prevalência estimada desta doença é desconhecida, mas estima-se que na França seja de 1/360.000 mil indivíduos.
Essas síndromes são doenças espectrais por gravidade inflamatória. Assim, podem ser classificadas em diferentes subgrupos: FCAS (em português, síndrome autoinflamatória do frio familiar); Muckle-Wells e NOMID/CINCA (em português, doença inflamatória multissistêmica de início neonatal).
As manifestações mais comuns nessas doenças autoinflamatórias são: febre recorrente, manifestações articulares (desde artralgia a artrite deformante) e rash cutâneo, parecido com a urticária.
Na síndrome autoinflamatória do frio familiar, as reações são causadas pela exposição ao frio, com menor dimensão sistêmica. Já a Muckle-Wells, diferente da anterior, não é precipitada pelo frio. Seu quadro apresenta gravidade visto que pode causar surdez neurosensorial em até 20% dos pacientes, assim como a artrite.
Já a doença inflamatória multissistêmica de início neonatal é uma condição grave, de início precoce na infância. Além dos sintomas acima, também pode provocar atraso no crescimento, papiledema (aumento da pressão no cérebro), hidrocefalia e artrite importante e deformante.
Em qualquer um dos três subgrupos também pode ser observado o acometimento ocular, manifestando-se por meio de conjuntivite não-infecciosa, uveíte (inflamação que pode atingir o nervo óptico) e iridociclite (inflamação da íris e corpo ciliar).
Além disso, podem estar presentes as vasculites, osteopenia, hepatoesplenomegalia e linfonodomegalia. A amiloidose secundária é outra complicação grave das Síndromes Periódicas Associadas à Criopirina, e seu risco aumenta com a gravidade das doenças.
Artrite idiopática juvenil
Relativamente rara, a artrite idiopática juvenil é apenas uma das centenas de tipos de artrites que podem afetar crianças e adolescentes. A doença acomete mais meninas que meninos, de qualquer raça até 16 anos.
No entanto, os picos de maior incidência estão entre 1 a 5 e 10 a 14 anos de idade. Sua causa ainda não é conhecida. Entretanto, fatores imunológicos, infecciosos e genéticos estão envolvidos. Alguns estudos recentes mostram que existe certa tendência familiar, assim como fatores externos, como bactérias, vírus, estresse emocional, que podem desencadeá-la.
Por não ser uma patologia infecto-contagiosa, seus pacientes podem continuar a frequentar lugares públicos normalmente. Além das articulações, a artrite idiopática juvenil afeta outras partes do corpo da criança. Podendo durar anos, com períodos de remissão e atividade, o paciente tem dores e febre.
Mesmo não sendo fatal, sem tratamento adequado pode levar complicações para o desenvolvimento e vida da criança. Em alguns casos, o efeito inclui deixar de usar normalmente um membro do corpo como braço ou perna.
Ainda pode ocorrer a interrupção da locomoção, tornando-o totalmente dependente da família. Contudo, quando tratada de forma adequada, a maior parte das crianças afetadas pode ter uma vida normal, com boa qualidade.
Seu diagnóstico, assim como na maior parte das doenças reumáticas em crianças, é clínico, e se baseia na presença de artrite em articulações, com duração igual ou superior a 6 semanas. Ainda não existem exames laboratoriais específicos para a doença. Os tipos mais comuns de artrite idiopática juvenil, são oligoarticular, poliarticular e sistêmico. As oligoarticulares acometem 4 articulações, sendo tornozelos e joelhos as mais frequentes.
Crianças diagnosticadas com este tipo da doença devem realizar avaliações oftalmológicas com frequência, de preferência a cada 3 ou 4 meses. O motivo é a possível inflamação da úvea, parte colorida dos olhos.
No tipo poliarticular, as articulações acometidas envolvem 5 ou mais, com destaque para punhos, joelhos, tornozelos, e pequenas articulações de mãos e pés. É possível que nesse tipo, ocorra febre recorrente, e o fator reumatoide, responsável por identificar a patologia, pode estar presente em 10% dos pacientes.
A artrite idiopática juvenil do tipo sistêmico é insidiosa, e caracteriza-se pela presença de artrite associada à febre alta com picos diários, erupções na pele, gânglios, aumento de baço e fígado.
É possível prevenir as doenças autoinflamatórias?
O diagnóstico precoce das doenças autoinflamatórias pode ser realizado, assim como a prevenção de complicações mais graves. Contudo, desde que exista uma identificação da mutação genética em familiares portadores da doença, permitindo sua investigação.
Ainda que essas alterações genéticas sejam identificadas em membros da família assintomáticos, não necessariamente indicará que aquela pessoa pode desenvolver a doença. O caso só poderá ser esclarecido e receber o acompanhamento adequado com um especialista no assunto.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é realizado inicialmente a partir da análise dos sintomas comuns associados às doenças autoinflamatórias, como picos de febre sem causas aparentes, infecções, tumores, doenças autoimunes ou metabólicas, artrite, diarreia crônica ou recorrente sem causas aparentes, lesões cutâneas ou psoríase, inflamação na pleura ou no pericárdio, membrana que envolve o coração.
Quando os sinais de alteração inflamatória são identificados e excluídas as possíveis principais causas, o médico passa a investigar o caso mais a fundo, visto que trata-se de um paciente com doenças autoinflamatórias. Considerando que tais condições são causadas tipicamente por alterações genéticas, exames específicos são necessários para um diagnóstico preciso.
Formas de tratamentos para as doenças autoinflamatórias
Ainda que os sinais inflamatórios possam ser parecidos entre as doenças autoinflamatórias, os tratamentos se diferem, com a necessidade de individualização de acordo com cada caso. O acompanhamento médico com um especialista é fundamental para receber o direcionamento adequado.
De modo geral, as doenças autoinflamatórias não apresentam cura. Contudo, o tratamento correto permite que o paciente tenha bem-estar e qualidade de vida. Entre os medicamentos usados, estão antiinflamatórios, anticitocinas (anticorpos monoclonais que inibem rigidez e dores musculares), e biológicos inibidores tumorais. Além disso, outras abordagens podem ser utilizadas de acordo com a necessidade do paciente, e seu quadro inflamatório.
Infusão medicamentosa para doenças autoinflamatórias
Outra terapia medicamentosa utilizada para o tratamento de doenças autoinflamatórias é a infusão de medicamentos. Também chamada de TRE – terapia de reposição enzimática – é a aplicação de um infuso ou de uma injeção diretamente na veia do paciente, inserindo nele uma enzima parecida com a que lhe falta completa ou parcialmente. Tal enzima é desenvolvida por meio de engenharia genética e tecnologia de DNA recombinante, derivada de anticorpos humanos ou de origem animal, alterados em laboratório.
Para o tratamento de doenças autoinflamatórias, a infusão de medicamentos se mostrou uma revolução mais do que pertinente. Isso porque há casos nos quais o tratamento convencional não pode ser administrado, gera efeitos adversos muito severos ou não surte o resultado esperado. Naqueles moderados a graves, a infusão medicamentosa também tem sido a solução para se lidar com o problema de modo mais humanizado e para manter a qualidade de vida do paciente.
Por questões como essa, a aplicação enzimática intravenosa já é vista como uma maneira mais eficiente de administração de medicamentos no paciente. Esse recurso permite que a medicação seja fornecida em taxas, volumes e intervalos precisamente programados, de acordo com a necessidade do paciente.
Portanto, esse tratamento por meio de medicamentos biológicos é seguro, reconhecido e pode ajudar o paciente a apresentar menos reações adversas e ter mais qualidade de vida, visto como revolucionário e uma das grandes tendências da medicina.
No caso da febre familiar do Mediterrâneo, por exemplo, há também o caso de pacientes que são intolerantes à terapia com colchicina. Nesse contexto, a infusão mostra-se como uma importante alternativa para garantir o tratamento a essas pessoas e o alívio rápido e sustentável de seus sintomas que podem ser bastante incômodos.
A Canaquinumabe (Ilaris®) é a infusão medicamentosa aplicada na Clínica Croce para essa condição e para síndromes periódicas associadas à criopirina (chamadas criopirinopatias CAPS), síndrome periódica associada ao receptor do fator de necrose tumoral (TRAPS), síndrome da hiperimunoglobulina D (HIDS)/deficiência de mevalonato quinase (MKD), Doença de Still e Artrite gotosa. Ressaltamos que essa infusão é autorizada pela FDA (Food and Drug Administration) e possui registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Trata-se de um bloqueador de interleucina-1 beta que pode ser administrado em adultos e crianças com 2 anos ou mais. Sua substância ativa eficaz e segura é o canaquinumabe, anticorpo monoclonal, uma espécie de proteína que foi desenvolvida para reconhecer e se ligar a uma molécula mensageira ou “citocina” no corpo, chamada de interleucina-1 beta.
Tal molécula está relacionada a inflamações, estando presente em altos níveis no sistema do paciente com FFM. Por meio da ligação estabelecida pela substância ativa, essa realiza o bloqueio da atividade da molécula, atuando na redução da inflamação e gerando alívio dos sintomas da doença e recidivas no paciente. Há, até mesmo, casos de remissão completa da condição após o tratamento com canaquinumabe em pacientes com FFM resistente à colchicina.
Infusão medicamentosa na Clínica Croce
A Clínica Croce, fundada em 1973, conta com um corpo médico formado por especialistas da USP e UNIFESP. Nossa equipe está preparada para prover o tratamento da Febre Familiar do Mediterrâneo via infusão de medicamentos, tendo ainda o diferencial do atendimento com uma abordagem multidisciplinar, visto que o paciente com esse tipo de patologia costumeiramente enfrenta problemas associados a outras especialidades, tais como a reumatologia.
Na clínica, contamos com a expertise do Dr. Leonardo Oliveira Mendonça, alergista e imunologista especialista em doenças raras, como a FFM, o que torna todo o processo de diagnóstico e tratamento mais ágil e preciso para esses casos.
Localizado na zona oeste de São Paulo, o ambiente da clínica é especialmente desenvolvido para prover um atendimento confortável, qualificado, seguro e acolhedor ao paciente. O tratamento via infusão medicamentosa é feito com o acompanhamento de nossos especialistas, seguindo todos os protocolos demandados para esse tipo de atendimento.
Desse modo, se você ou algum familiar tem, ou suspeita de sintomas como os das doenças autoinflamatórias, não perca tempo e conte com especialistas no assunto para diagnosticar o quadro e iniciar o tratamento mais adequado para o seu caso em específico.
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